Nova cara do Navalha (esq. p/ dir.): Raquel Elmescany (teclados), Murilo Frazão (bateria), Lucas Pinto (guitarra), Cláudio Fly (baixo), Andrey Moreira (guitarra) e Eric Alvarenga (vocal) |
A banda Navalha surgiu em 2010 e já é considerada uma das melhores bandas de metal alternativo (ou como queiram chamar) na nossa cidade. A estreia da banda se deu em uma edição de 2010 do Fabrikaos. Depois a banda deu uma pequena parada, e voltou com força em 2012, lançando o CD “O Instinto”. Agora, a banda chega com novidades, como a força extra no line up com a entrada da tecladista Raquel Elmescany, uma das melhores no estilo.
Nas próximas linhas, alguns dos integrantes, Andrey Moreira (guitarra), Eric Alvarenga (vocal), Lucas Pinto (guitarra) e a própria Raquel nos falam da banda, da cena local, de seus outros trabalhos e até do produto que mais combina com o metal: a cerveja.
Completam o time: Claúdio Fly no baixo e Murilo Frazão na bateria. Com vocês, estreando a seção ENTREVISTAS no Caldo de Crânio: NAVALHA.
Eric Alvarenga (vocal):
O Navalha quando surgiu pegou muita gente de surpresa misturando o estilo de metal arrastado e pesado, mas com vocais limpos, quase falados, e com letras em português. A ideia era essa mesma? Chocar? Ou foi apenas um resultado de outras influências que receberam? E quais seriam essas influências?
=
A ideia era tentar construir algo diferente mesmo. Nós sabíamos que ia ser um
tanto chocante para algumas pessoas ouvirem um som mais pesado, esperar um
vocal mais agressivo e perceber que ele não vinha. Ainda hoje algumas pessoas
ainda chegam para nós sentindo esta falta, mas esse estranhamento é bom. Ele
ajuda a criar algo mais singular. Tem várias bandas que gostamos que seguem esse
caminho como o Katatonia, Porcupine Tree e até os trabalhos mais recentes do
Opeth. É até por buscar um tipo de som com mais singularidade que recentemente
chamamos a Raquel Elmescany pra tocar teclado na banda. Ela vai nos ajudar
nesse objetivo.
Você é o letrista da banda. Há diferença no conteúdo das mensagens do Navalha para outra banda que você participa, no caso, o Aeroplano? Você já cria pensando em que banda ela vai ser musicada ou você cria a letra e depois escolhe para que banda ela vai?
=
Tem diferença sim. O Navalha tem uma atmosfera mais obscura nas letras. Tento
usar algumas palavras que combinam mais com o clima da banda, que é este algo
mais cinzento, escuro, melancólico e agressivo. No Navalha sempre faço as
letras por último. Primeiro vem os arranjos e a melodia, depois tento escrever
algo.
Raquel Elmescany (tecladista):
Você participou de
bandas expressivas da cena metal local, sendo a principal delas o grande
Tenebrys, de doom gothic metal. Após sua saída da banda (numa reunião com um
clima tão sombrio quanto o seu som), você ficou um tempo longe de tocar em
bandas autorais. O que levou a aceitar o convite para voltar a tocar em uma
banda de metal?
=
Tudo o que ocorreu com o Tenebrys foi muito traumático pra mim. Eu fiquei com
tanto receio de voltar a tocar que o meu teclado ficou em cima do guarda-roupa
por mais de seis meses. Quem me estimulou a voltar foi o meu namorado, o Zé
Lucas, rs, depois que recebi um convite pra tocar na Vinttage (banda de pop
rock cover do Yuri Martins, Paçoca, Mitsuru Yamada, Thales Campêlo e Thiago
Souza). Era uma liga mais cover, a responsabilidade de produção não era minha,
e devo a eles o meu retorno à música. Aliás, a Vinttage está voltando pra eventos
fechados tb, rs.
Mas
eu ainda estava muito arisca a bandas autorais, pois ainda temia muito as
responsabilidades inerentes as mesmas. Eu não tinha mais energia pra correr
atrás das coisas como antes. Tinha medo de quebrar a cara.
No
meio do caminho, me envolvi num projeto de prog metal que não deu certo, o que
piorou as coisas dentro da minha cabeça. Veio o ano do tcc (2012) e eu achei
melhor me concentrar nos estudos. Mas daí o Navalha me convidou pra gravar uma
música com eles (A Calma) e eu curti muito o som. Acabou que a faculdade estava
exigindo muito de mim, e eu não consegui o tempo pra fazer essa gravação.
Mas
essa idéia ficou na cabeça, e quando eu fui assistir o Navalha no Studio Pub,
nossa, minha cabeça explodiu! Achei o som dos caras demais. Acho a voz do Eric
fantástica, e o clima atmosférico das músicas, sem perder o peso do metal, me
lembrou Alcest. Apaixonei-me pela banda, e me arrependi muito de não ter
gravado com eles, mas eu realmente não tinha como. Eu tinha passado em um
concurso e tinha que terminar a faculdade o mais rápido o possível, sob pena de
perder a vaga.
Mas
tudo deu certo, e agora estou com mais tempo livre pra tocar. O Navalha é uma
banda que eu curto muito, e quando recebi o convite do Andrey, eu fiquei muito
feliz! Até falei no ensaio (propaganda do Fábrika Studio kkk) que acho que eles
não tem idéia da complexidade harmônica das músicas que compõem. É algo guiado
por instinto, e quero muito absorver isso pro meu estilo de composição. A
técnica te deixa meio bitolado, e você esquece de sentir a música às vezes. E
eu acho que sentir a música deve ser o mais importante na hora de compor. Por
isso que entrei na banda, porque considero os caras muito bons. E além disso,
são gente boa, o Andrey é um cara muito prestativo, e ainda tem um cervejeiro
(Lucão) na banda!!! O que mais eu poderia querer?
Voltando ao Tenebrys, a
banda teve um fim, digamos assim, prematuro. Há chances de um retorno da mesma?
=
Aproveitando a deixa, algo me emocionou muito em 2013. Eu já tinha recebido
convites espalhados pelo tempo pra voltar ao Tenebrys, mas nada conseguia me
convencer de que seria uma experiência agradável. Eu até aceitaria gravar uma
música ou duas, mas o clima da banda estava perdido pra mim há muitos anos. Eis
então que a única pessoa que não trocou um “oi” comigo durante todos esses anos
veio falar comigo. O Luciano (guitarrista e compositor principal do Tenebrys).
Eu quase não acreditei que ele queria mesmo falar comigo, porque ele
simplesmente sumiu! Pensei que ele não queria me ver nem pintada de ouro, ou
algo assim. Mas o Mauro Seabra (baterista do DNA, antigo produtor musical do
Tenebrys) me disse que ele queria transformar o Tenebrys em um projeto com
vários convidados, e que queria me chamar pra ser membro efetivo. Eu
sinceramente fiquei muito feliz dele ter essa consideração por mim, e meio
receosa por tudo que aconteceu, mas aceitei ir tomar um café com ele. Nesse
dia, ele me disse tudo o que sentia, conversamos muito, e para minha surpresa,
ele estava muito emocionado. Na verdade, ele não tinha falado comigo por
vergonha e remorso. E eu todo esse tempo achando que o cara me odiava. Rs.
Pareceu cena de novela.
Então
eu aceitei entrar no projeto, já estamos compondo, e em breve haverá novidades
sobre a volta do Tenebrys. O Luciano está construindo um estúdio massa, e ele
está se dedicando muito a isso no momento, mas estamos ansiosos para terminar a
primeira música dessa nova fase. E o Mauro está nos produzindo de novo, devo
dizer que ele sempre foi um cara genial, em breve vamos reunir pra trabalhar
nas músicas. Estou muito feliz por esse retorno :)
Lucas Pinto (guitarra):
Você toca em outra
banda da nova safra da cena rocker paraense, A Válvula. Na sua opinião, qual a
diferença entre tocar o stoner rock / hard rock da sua outra banda e o metal em
português que o Navalha faz?
=
Não há diferença para mim. Tocar em ambas me satisfaz de maneiras diferentes,
já que gosto de ambos os estilos, mas na mesma proporção.
Na
Válvula eu estive presente praticamente desde seu início e vejo que talvez as
músicas e mensagens sejam mais palatáveis ao público, mais fáceis de se
escutar. É Rock'n roll, afinal.
No
Navalha eu entrei recentemente, e antes disso era mais um fã declarado tanto da
banda quanto das pessoas que a compõe, quase todos amigos com um excelente
histórico musical. Nessa banda eu escuto uma música mais densa e reflexiva;
mais “moderna” no final das contas, sendo que nem sei se dá pra classificar
como metal.
Desenvolves algum tipo
especial para tocar em ambas? Ou deixas fluir o que vem na cabeça em qualquer
uma que seja?
=
Como não tenho formação musical as composições e estilos de tocar acontecem de
maneira bastante empírica mesmo. No meu dia a dia escuto corriqueiramente
bandas que se adequam tanto às vertentes vinculadas à Válvula quanto ao
Navalha, de modo que quando as ideias surgem já há um direcionamento mental até
mesmo involuntário para a adequação daquele riff ou sugestão à cada projeto.
O
que é positivo em ambas as bandas é a liberdade musical existente, já que
apesar do enquadramento no hard/stoner rock à Válvula e do metal alternativo ao
Navalha, ambas as bandas flertam com diversas outras influências, afinal tudo é
mutável.
Recentemente
começastes à trabalhar na produção de cervejas. Achas que pode ser um mercado
promissor dentro do universo do rock, tipo, fabricando cervejas de bandas
locais, assim como algumas bandas lá fora já fazem?
=
Talvez seja um pouco cedo pra dizer que “comecei a trabalhar na produção de
cervejas”. O adequado é dizer que comecei a me dedicar a (mais) um hobby; e
esse hobby tem me trazido bons feedbacks e realizações, principalmente porque
meu início na vida de cervejeiro caseiro veio acompanhada da criação da AcervA
Paraense – Associação dos Cervejeiros Artesanais, da qual integro a Diretoria
e, mesmo no nosso pouco tempo de vida, estamos conseguindo excelentes
resultados na difusão da cultura cervejeira, sendo mais um elemento na já
existente revolução e conscientização de consumo de um modo geral.
Quanto
a ser um mercado promissor, a cerveja de verdade (artesanal, especial, premium,
gourmet, ou qualquer que seja o adjetivo escolhido) está em franca ascensão
mundial. No Brasil, apesar do lag de aproximadamente 10 a 20 anos se
compararmos à revolução cervejeira estadunidense, o mercado desse tipo de
cerveja cresce vertiginosamente, e em patamares que superam em três vezes ou
mais o dos grandes grupos transnacionais como AMBEV e KIRIN.
Especificamente
quanto à associação da cerveja com o rock, esta é quase instantânea. Diversas
bandas já utilizam disso pra lançar seus produtos (AC/DC, Iron Maiden, Deep
Purple, Kiss, Motorhead, recentemente o Mastodon, dentre outras; a nível
nacional: Sepultura, Velhas Virgens, Ultraje a Rigor, Nenhum de Nós, Korzus,
Titãs, Raimundos, Paralamas do Sucesso, Angra, Matanza) e pra mim, quando
comecei a pensar nas minhas receitas foi muito natural aplicar isso à nossa
realidade e desenhar cervejas à algumas bandas da nossa cidade que curto e
admiro.
Na
verdade, mais do que um apelo mercadológico, é necessário aproximar esses
produtos do público de destino, tanto pela informação quanto pelo preço.
Cerveja é bebida democrática, inclusiva, e agregadora e assim deve permanecer.
No Brasil, a consequência dos altos preços das cervejas deságua num engatinhar
de um movimento de elitização da cerveja do qual discordo bastante. A cerveja é
para todos, inclusive para Belém, inclusive para nossas bandas. Cerveja é rock!
E a cerveja que eu hoje faço em casa não é nada mais do que aplicação do velho
jargão punk do “do it yourself”.
Andrey Moreira (guitarra):
Defina o Navalha em
poucas palavras.
=
Navalha é um banda que mistura alguns elementos que eu gosto muito, como
instrumental pesado regado à afinações baixas e vocais melódicos, com letras
fortes que abordam temas do cotidiano da vida moderna, como medos, transtornos,
violência, dependência afetiva, amor, etc, mas de um jeito não muito direto. É
engraçado como cada pessoa tem uma ideia diferente sobre as letras.
Você participou da
banda Caustic, talvez a grande percussora do estilo new metal em Belém. Ao
resolver montar uma nova banda, anos depois, qual o motivo de não seguir o
mesmo caminho da banda anterior?
=
O Caustic foi uma grande banda, fico muito feliz com o carinho dos fãs até
hoje, mas quando você monta uma banda nova, você deve seguir outros caminhos,
arriscar-se, até pra evoluir como músico. Quando eu montei a banda, já me
arrisquei chamando um cara que é de uma banda Pop Rock (Aeroplano). Sempre
gostei do trabalho deles e foi perfeito. O Eric Alvarenga é um grande
compositor, transformou as melodias vocais em ótimas letras e deu o tom certo
de como deveria ser o vocal do Navalha. Falando na formação atual, cada um
trouxe elementos novos e influências pra banda, como o Lucas Pinto que trouxe
bom gosto em arranjos e timbres matadores de guitarra, Claudio Fly com linhas
de baixo bem trabalhadas, Murilo Dantas com peso e técnica na bateria e agora a
novata, Raquel Elmescany, com uma infinidade de possibilidades musicais nos
teclados/keytar/sintetizadores, que está nos levando a outro nível de
composição. Hoje em dia quando faço uma música, por exemplo, eu já penso: essa
parte fica perfeita pro Fly fazer tal linha de baixo. Cara isso é bem legal,
pois quase sempre eles fazem melhor do que eu imaginei e sou muito feliz de
tocar com pessoas tão talentosas que te forçam a ser um melhor músico.
Alguns falam (na minha
opinião, erroneamente), que aquele período, que o Caustic existiu, seria a
"era de ouro" do rock local. Você concorda com isso? Como você vê
aquela cena e a atual?
=
Eu acho que em termos de público foi a melhor época. Vi o Ginásio Altino
Pimenta, African Bar, Centur, cheios pra ver somente bandas locais, cito esses
por serem locais grandes. Hoje em dia é notório que o público está mais
restrito e difícil, às vezes inexplicavelmente, como o grande revés que o Pitiú
Festival teve, coisa que me deixou bem triste, foi um grande passo atrás para o
sonho de termos grandes festivais de ROCK PESADO aqui. Acho que foi um baque
muito forte pra cena e não coloco a culpa nos organizadores do festival nem no
público, pra falar a verdade nem sei o que acontece nesses casos, hoje em dia
as bandas locais estão mais profissionais, pois temos bandas fazendo turnê fora
do pais, gravando bons CD's, fazendo ótimo material de divulgação, fotos
promocionais, clipes, até show em DVD e documentário sobre a cena tem.
Eu
vejo a cena atual como a de melhor safra de bandas que o Pará já teve (minha
opinião), o que é muito bom, pois mostra nossa evolução, mas com um público que
pouco conhece as bandas locais. É incrível como tem pessoas que ainda tem um
preconceito com as bandas daqui, mas não conhecem o Molho Negro, Avens, Scream
of Death, A Red Nightmare, All Still Burn, Telaviv, Aeroplano, Elder effe, Ut
Opia, The Baudelaires, A Válvula, Bruno B.O. fora os medalhões como
Deliquentes, Madame Saatan, Retaliatory, entre outros, pode até soar como
sacanagem citar certas bandas com tantas outras muito boas, mas o meu ponto é
que tem uma infinidade de bandas legais aqui, pra todos os gostos, e o público
pouco conhece, falo isso sem colocar a culpa só no público, nós enquanto bandas
também temos nossa parcela de culpa. Mas às vezes é falta de oportunidade, tipo
a música "Bazar" do Aeroplano que foi a mais tocada em dezembro na
Radio Cultura; o Wael Daou que está concorrendo a MELHOR GUITARRISTA NACIONAL
pela ROAD CREW; e eu fico pensado quantos músicos/ bandas daqui não estariam
fazendo bonito se tivessem mais oportunidades?
Conheça a banda:
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